Segue em anexo uma Nota Oficial do Juiz da Execução Penal externando as impressões sobre o lamentável episódio ocorrido ontem na Cidade de Canindé. Trata-se na verdade de uma reflexão e de um desabafo sobre a visão de vários ângulos do ocorrido na manha de ontem na Cadeia Pública.
Também em anexo segue a cópia de uma Ofício que foi enviado a SEJUS em abril do corrente relatando a situação da Cadeia Pública, expediente este que nunca foi respondido, como vários outros expedientes que ao longo do tempo foram encaminhados àquela Secretaria.
Grato pela divulgação.
Antonio Josimar Almeida Alves
Juiz de Direito
NOTA
OFICIAL
MAIS
UMA VEZ, A CADEIA PÚBLICA DE CANINDÉ
Canindé (CE), 22
de outubro de 2013
Ontem a
cidade de Canindé sentiu as consequências decorrentes da fragilidade do sistema
prisional local, bem como os efeitos da insuficiência do aparato de profissionais
da segurança publica, mesmo considerando que temos a Sede de um Batalhão de
Policia Militar e uma Delegacia Regional de Policia Civil. Por uma questão de
reconhecimento público, que se faz necessário, abnegados policiais militares,
alguns estavam de folga e foram chamados as pressas, conseguiram evitar a fuga
em massa de presos que por certo aconteceria caso não tivessem prontamente
reagido e com a energia necessária. Provavelmente evitaram uma das maiores
fugas de presos da história do Ceará!
Mas, eu dizia
que o fato que ocorreu ontem revelou algumas mazelas que continuamente são
encobertas pelo discurso oficial de que tá tudo muito bom, tá muito bem! Se não
vejamos:
A rebelião,
como muitos estão denominando, revelou que as condições da cadeia pública de
Canindé são precárias, principalmente por causa da superlotação. O discurso
oficial prega que não existe excesso de presos. Ora, cada cela da Cadeia
Pública foi concebida para abrigar seis presos; são cinco celas, então a
capacidade projetada é para trinta presos. Atualmente estão amontoados nas
cinco celas 65 presos, ou seja, 13 internos em cada cela. Sim, uns cometeram
crimes, outros estão aguardando o julgamento de seus processos, mas não podem
ser submetidos a situações degradantes ou reduzidos a condição de animais. Não
se defende aqui mordomias, mas o cumprimento daquilo que a Lei de Execução
Penal prevê como o mínimo de dignidade para o encarceramento de um preso.
Além do
excesso de presos, as celas da Cadeia Pública mais parecem um forno, sem
qualquer ventilação externa ou circulação de ar. Quem adentra no seu interior
sente logo na entrada o mormaço insuportável. Imagine o que é viver, ou melhor,
sobreviver num ambiente deste. Qual o ser humano, condenado ou não, que não se
brutaliza e se revolta com o tratamento desumano que é submetido continuamente?
Tem recuperação? Tem perspectiva de vida futura? Ah, você diria: mas porque
cometem crimes sabendo que vão sofrer? Melhor que sofram! Mas eu pergunto:
sabendo que mais cedo ou mais tarde sairão da cadeia, quem sofrerá as
consequências? Será que a sociedade hipócrita, demagógica e covarde que apregoa
a recuperação do preso e que ao mesmo tempo lhe vira as costas, está disposta a
pagar o preço por criarmos seres revoltados e embrutecidos?
Os internos
da Cadeia Pública estão cumprindo suas penas ou aguardando o julgamento dos
processos, mas será que é justo dar-lhes água poluída ou comida estragada pela
falta de um freezer, por exemplo, para acondicionar com segurança os gêneros
alimentícios perecíveis? Não se trata de defender presos, mas de defender a
própria condição humana; defender a Lei que garante direitos básicos a qualquer
preso, afinal o Poder Judiciário não elabora leis, mas garante e efetua a sua
aplicação, boas ou ruins.
Outra questão
que aflorou diz respeito ao fato da Cadeia Pública está localizada dentro do
perímetro urbano da cidade de Canindé, numa área densamente habitada,
estabelecida num dos corredores religiosos e turísticos da cidade, e ontem foi
uma pequena amostragem do grande risco que representa um estabelecimento penal
dentro de uma cidade, como por exemplo, foram efetuados vários disparos de arma
de fogo para conter os presos que pretendiam empreender fuga, num evidente
risco para todos que residem ou transitam próximos da Cadeia Pública.
Até quando
isso vai ser varrido para debaixo do tapete? Afinal, amar Canindé, sentimento
declarado por muitos, é aceitar que o Estado mantenha um estabelecimento penal
dentro da Cidade, praticamente na área central, com todos os riscos que
representa? Porque ninguém se levanta contra isso? Porque aqueles que dizem
amar Canindé não enxergam esta excrescência dentro da Cidade? Isso não é
atribuição do Poder Judiciário. O Poder Judiciário não tem como doar, muito
menos aprovar doação de imóvel para construir um estabelecimento penal fora do
perímetro urbano. Os membros do Poder Judiciário não têm mandado político para
defender onde for necessário e cobrar de quem quer que seja a construção de um
novo estabelecimento penal para a cidade, talvez por isso este magistrado
enfrentou os chás de cadeiras nos gabinetes das instancias do Governo do
Estado, as promessas mirabolantes, vejam prometeram ate tornozeleiras
eletrônicas para presos do regime semi aberto! Pintaram a Delegacia de Policia.
Trocaram algumas lâmpadas. Intervenções cosméticas e paliativas. Promessas e
nada mais.
A descortesia
é tamanha que mesmo no calor da “rebelião”, disparos de armas de fogo, fogo nos
colchões, depredação do patrimônio público, sessenta presos rebelados, em
comunicação com a Secretaria de Justiça, o Juiz da Execução Penal obteve um
único contato: com o Secretario Executivo que repassou a mensagem de Sua
Excelência a Senhora Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania dizendo que
mandaria “o pessoal de sua Secretaria” e que depois de receber o relatório
adotaria as providencias. Pasmem! Na cadeia pública, além do aparato de
policiais militares, estavam um Juiz de Direito, um Promotor de Justiça e um
Delegado de Policia, clamando pela adoção de providencias à cargo do Estado.
Nem mesmo um contato pessoal com Sua Excelência a Secretaria Estadual de
Justiça e Cidadania foi possível, pois a mesma não atendeu as ligações do
magistrado, talvez por saber que Juiz de Direito não tem mandato parlamentar e,
portanto, não pode fazer política.
Mas no final
do dia, transferências de presos foram efetivadas, com a policia militar e
civil fornecendo as viaturas para o transporte dos presos, inclusive uma
viatura do Fórum, e promessas de aquisição de um freezer para acondicionar os
alimentos perecíveis, de um motor novo para puxar água da cisterna para a caixa
d!água da Cadeia foram anunciadas, isso depois que o representante do
Ministério Público pessoalmente esteve na Sede da Secretaria de Justiça em
Fortaleza na tarde/noite de ontem, cobrando providencias.
Outra questão
que ficou evidente foi a precariedade da segurança publica, e ficamos ontem com
aquela situação do lençol curto: …se puxar para cobrir a cabeça, descobre os
pés...se puxar para cobrir os pés, descobre a cabeça... Enquanto o aparato de
policiais militares evitava as fugas dos presos da cadeia pública, a cidade
ficava a mercê dos assaltos, obrigando que alguns comerciantes cerrassem as
portas de seus estabelecimentos com medo de assaltos. Os abnegados policiais
militares agiram com o emprego do material que dispunham, pois não havia
equipamentos denominados “armas não letais” no acervo da unidade militar local.
Somente com a chegada da tropa especial, esta sim, munida com armas não letais,
foi possível conter os presos.
Geralmente
apenas dois policiais militares fazem a guarda externa da Cadeia Pública, mas
por absoluta falta de efetivo.
Outro
problema ressaltado na “rebelião” foi a existência de vários presos já
condenados, que deveriam estar cumprindo pena em presídios.
O que para
muitos foi uma “rebelião”, na realidade foi um grito desesperado de
insatisfação de pessoas submetidas a condições degradantes. Foi um alerta.
Chamaram a atenção para os problemas existentes na Cadeia Pública local com o
único recurso que dispunham e com o qual já estão acostumados, pois também
acabam sendo vítimas da violência institucionalizada pelo próprio Estado. Sim,
pois quando não se garante um mínimo de decência e de dignidade para o preso
cumprir a pena ou aguardar o resultado do julgamento de seu processo promove-se
a violência contra os princípios e garantias previstos na legislação.
Antonio
Josimar Almeida Alves
Juiz de
Direito
"A sociedade tem o criminoso que merece" dizia Lacassagna ,afinal de contas ,nòs è que dosamos o poder e o dever-se de cada um.Se somos rigidos de mais,teremos celerados crueis ,se complacetes,teremos criminosos contumazes.Qual a receita certa? O equilibrio! e como se alcança o equilibrio? Educando e nao constringendo o ser humano a viver nas condiçoes acima citada,o Estado nao pode deixar esta batata quente nas maos de uma so,pessoa( juiz),que por mais boa vontade tenha ,nao podera nunca e acho que nem deveria se expor desse jeito, tentando de pessoa controlar o que aconteceu ontem ,colocando em risco a propia vida,o que aconteceu ontem ,prefiro chamar de pedido desesperado de ajuda e nao rebeliao ,o estado deve, insisto, dar uma resposta positiva e urgente a esta problematica carceraria, infelismente conheço esta estrutura nos minimos detalhes e um ser humano que entra ali,antes ou depois saira, e nao penso que ele vai ter motivaçao para se comportar bem,nao se trata de bonismo e bem,sim de respeito do ser humano,que devera fazer as contas pro resto da vida com sua propia consciencia, sem que precise morrer sufocado,de sede ou de fome para ser punido como se deve. Devemos usar os cinco sensos para entender essas pessoas pq neste barco querendo ou doendo estamos todos nos. Esperamos que agora se mova alguma coisa no senso positivo,mas acho dificil. sem sangue derramado,nao existe salvaçao,diz Sao Paulo.
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