No texto, magistrado
relata que motociclistas conduzem crianças no tanque da moto
O juiz da 1ª Vara da Comarca de Canindé e também da Infância e da
Juventude, Antônio Josimar Almeida Alves, enviou à imprensa local uma mensagem
direcionada à população e também às autoridades de trânsito do município, relatando
e chamando a atenção para algumas irregularidades que vêm sendo observadas pelo
magistrado e que colocam a vida de crianças e adolescentes em risco. O juiz
também chama a atenção dos mototaxistas que também tem sido observados cometendo
irregularidades no transporte de crianças.
Confira a
mensagem na integra:
JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
“POR
FALTA DE UM GRITO SE PERDE UMA BOIADA”
Canindé(CE),
23/05/2018
Os
provérbios e ditados populares estão presentes em todas as culturas do mundo, e
são considerados objetos da sabedoria popular, possuindo função social de
aconselhar e advertir, ao mesmo tempo que transmitem ensinamentos entre
gerações, basicamente pela via oral, constituindo-se em expressões da memória
coletiva aceitas como verdades.
Exatamente
por isso, escolhi um proverbio popular bastante conhecido para chamar à
reflexão sobre um tema que considero importante e afeto à área da segurança do
trânsito, e ao mesmo tempo servirá para incutir a ideia de que viver em
sociedade, representa compartilhar responsabilidades, socializar preocupações e
buscar soluções para problemas, no caso especifico, que afetam diretamente a
ordem e a segurança do transito neste Município.
Pois
bem, os fatos que adiante descreverei não se trata de nenhuma novidade, pois um
simples e atento passeio pelas ruas da cidade, especialmente nos horários de
início e termino das atividades escolares, é possível detectar situações
absurdas, irresponsáveis e inaceitáveis sob o ponto de vista do respeito à
legislação de transito e garantia dos direitos de crianças e adolescentes.
Apenas
para que tenhamos a dimensão da irresponsabilidade dos condutores de
motocicletas (pais, mães e mototaxistas), somente num único dia, no horário
compreendido entre 6:40 às 08:10, num ponto da rodovia estadual CE257, que passa em frente á escola
profissionalizante e também nas proximidades de uma creche, foi contabilizada a
incrível marca de 38 (trinta e oito) motocicletas, cujos condutores e
condutoras, inclusive, muitos mototaxistas, irresponsavelmente, conduziam crianças, inclusive de colo,
nos seus veículos, alguns usando o próprio tanque de combustível do veículo
como assento para a criança, ou colocando a criança, como se fosse um
sanduiche, espremida entre dois adultos, ou ainda, pasmem e imaginem a
situação, amarradas nas costas ou no abdome do condutor ou da condutora do
veículo, mediante uma faixa envolvendo a criança, imitando um cinto de
segurança, situações com potencial e inegável probabilidade da ocorrência
de acidentes graves e com consequências irremediáveis, levando-se em
consideração, além da conduta irregular e irresponsável dos condutores, o
pavimento deteriorado da rodovia e o grande fluxo de veículos. Não raramente,
estas situações são presenciadas nas portas dos colégios e escolas, como de
resto, por toda a cidade e em qualquer horário, sem falar no trafego de motocicletas
na zona rural, que ultrapassa o senso comum de responsabilidade e de
razoabilidade, pois o braço da lei (Código de Trânsito) e o poder fiscalizador
do Poder Público não se fazem presentes, fazendo parecer que as pessoas vivem
numa terra sem lei e sem autoridade.
Chama
à atenção a conduta dos mototaxistas, profissionais que, inegavelmente,
trabalham prestando um serviço essencial e importante à população, mediante
permissão do Poder Público para exploração do serviço de transporte individual,
entretanto, não estão autorizados descumprir a legislação de transito, muito
menos colocar em risco a vida de crianças, que não possuem a mínima condição de
prover a própria segurança para ser transportada num veículo que exige
redobrada atenção na sua condução, tendo em vista as consequências quando
envolvido num acidente de transito, especialmente nas colisões, pois a
fragilidade da motocicleta pode acarretar sérios e graves danos ao condutor e
passageiro (garupeiro). Neste tipo de situação, os pais também são corresponsáveis,
quando permitem que o filho seja transportado de forma irregular.
Apenas
para ilustrar esta breve mensagem, transcrevo algumas normas que se aplicam aos
fatos relatados, as quais, por certo, são do conhecimento das autoridades e
gestores públicos municipais:
Estatuto da Criança e
do Adolescente
– Lei Federal nº 8.069/90
“Art. 5° - Nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da
lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 18 - É
dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a
salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.
Art. 70 - É dever
de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e
do adolescente.
Art. 98 - As
medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei foram ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
Il - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
lII - em razão de sua conduta.”
Código de Trânsito Brasileiro – Lei Federal
nº 9.503/97
“Art. 168 - Transportar crianças em veículo automotor sem
observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código:
Infração -
gravíssima;
Penalidade - multa;
Medida administrativa
- retenção do veículo até que a irregularidade seja sanada.
Art. 244 - Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor:
I-...................................................................................................................;
II-…...............................................................................................................;
III-…..............................................................................................................;
IV-…..............................................................................................................;
V - transportando
criança menor de sete anos ou que não tenha, nas circunstâncias, condições de
cuidar de sua própria segurança:
Infração -
gravíssima;
Penalidade - multa e
suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa - Recolhimento do
documento de habilitação;”
Ademais,
sabe-se que o mototaxista deve observar a legislação de trânsito, além de
cumprir outras normas especificas e decorrentes do exercício da profissão, sob
pena de perder a permissão para explorar o serviço de transporte
individual.
Não é
razoável e nem lógico admitir como normal as condutas enumeradas acima, e penso
que ninguém, em sã consciência, aprova submeter crianças a toda espécie de
riscos no trânsito, sob o fundamento de uma pretensa economia de combustível em
detrimento da segurança dos pequenos cidadãos que são irregular e
irresponsavelmente transportados diariamente nas ruas desta Cidade e sob o
olhar complacente de quem deveria coibir estes abusos, inclusive, com a
participação direta dos pais.
Deixo
o alerta, porque tem sido uma pratica comum os pais transportarem crianças, seus
próprios filhos, em motocicletas com excesso de passageiro, sem capacete ou
utilizando de forma inadequada, sem qualquer preocupação com a vulnerabilidade
e fragilidade dos infantes, muito menos sem dá importância para o fato de que
transportar as crianças menores de sete anos em motocicletas, expõe
precocemente os meninos e meninas a um transporte automotor mais propenso a
acidentes de trânsito.
Nas
estatísticas de acidentes de trânsito, em qualquer cidade que tenha
movimentação razoável de veículos, geralmente os números demonstram que os
motociclistas lideram as ocorrências de óbitos, bem como os casos de sequelas
graves decorrentes dos acidentes envolvendo motocicletas, evidenciando que se
trata de um tema muito importante.
Dentro
deste contexto, a realidade reflete bem o quanto é perigosa à omissão, a falta
de coragem de gritar quando se faz preciso para que outros acordem diante de
fatos que tornam iminentes a ocorrência de acidentes de trânsito com resultados
trágicos.
Não
desconheço o importante trabalho desenvolvido pelos valorosos Agentes de
Trânsito da Guarda Civil Municipal, mas devo alertar que, no caso específico, a
inércia é sinônima de passividade, e descomprometimento com o bem-estar e
tranquilidade de centenas de condutores de veículos que transitam nas ruas
desta cidade, além de representar risco grave à garantia dos direitos de
crianças e adolescentes, que estão sendo vitimas do descaso, inclusive por
parte dos próprios pais.
Não
acredito que campanhas educativas resolvam o problema, até porque todos já bem
conhecem as irregularidades citadas, mas creio que uma intervenção firme e
determinada dos Agentes de Trânsito no sentido de coibir rigorosamente os
abusos e infrações que diariamente são praticados e que podem ser facilmente
constatados nas ruas da cidade, inclusive junto aos mototaxistas no sentido de
até mesmo revogar as permissões concedidas pelo Poder Público, no caso de
descumprimento de suas obrigações, surtirá os efeitos esperados.
O
provérbio enunciado nesta mensagem nos remete a história da humanidade, marcada
por vários momentos em que foram os gritos de alerta e de convocação para lutas
que fizeram com que a história muitas vezes tomasse outro curso.
Somos
conhecedores de muitos avanços e conquistas que se concretizaram graças a um
grito de chamamento, de advertência ou de incentivo ao combate do perigo.
Não
pretende esta mensagem se tornar um grito para afugentar ou assustar, porque
assim faz dispersar, mas um grito que estimule o agrupamento, o ajuntamento, a
atitude coletiva, em direção a um mesmo caminho.
O que
não pode ocorrer é o trânsito ficar sem comando de direção, sem definição do
rumo a seguir, sem a força da união, do sentimento unificado.
Lembrando
o provérbio, mais uma vez, sem o grito de encaminhamento da boiada, é muito
possível que ela se dirija para a trilha errada, e o que é pior, dispersa, cada
boi procurando encontrar seu próprio destino. Não queremos que o transito desta
cidade seja uma terra de ninguém e sem lei, uma boiada sem grito!
Dentro
do contexto fático narrado, determinei que o comando da Guarda Civil Municipal
adote, imediatamente, providencias no sentido de intensificar, diariamente, as
ações de fiscalização dos Agentes de Trânsito para coibir as condutas acima
relacionadas, em horários, datas e locais inespecíficos, fazendo incidir a
legislação respectiva para coibir exemplarmente os infratores, comunicando a
este Juízo as ações implementadas e os resultados.
Bel. Antonio Josimar Almeida Alves
Juiz de Direito – 1ª Vara