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Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH)
nesta segunda-feira (15), debatedores afirmaram que os agrotóxicos podem causar
nas pessoas vários tipos de câncer, distúrbios hormonais, infertilidade,
depressão, problemas respiratórios ou até levar à morte. Eles também defenderam
que o governo federal precisa desestimular a pulverização aérea de agrotóxicos
e fiscalizar a atividade. A reunião foi conduzida pelo presidente da comissão,
o senador Paulo Paim (PT-RS).
— Pesquisas apontam que os agrotóxicos têm efeitos
prejudiciais ao meio ambiente e à saúde da população, aos trabalhadores rurais
e comunidades tradicionais, como os povos indígenas e quilombolas. Conforme as
pesquisas, esses produtos contaminam o solo, a água e os alimentos, causando danos
ao meio ambiente e aos animais — afirmou Paim.
De acordo com o senador, há mais de 15 mil casos de
intoxicação por agrotóxicos notificados no Brasil nos últimos anos, com 439
mortes.
Terras indígenas
Erileide Domingues, do povo guarani-caiuá, professora e líder
comunitária na terra indígena Guyraroká, no estado de Mato Grosso do Sul, disse
que sua aldeia já foi prejudicada por aviões que pulverizam agrotóxicos em
plantações próximas da comunidade.
— Como indígenas, a gente sofre com contaminação de água,
contaminação de alimentação, o ar que a gente respira.
Segundo ela, já houve pulverizações de agrotóxicos por aviões
perto da aldeia, que atingiram uma escola e pequenas plantações, o que causou
coceiras, problemas nos olhos e disenteria em adultos e crianças.
— Não tem como dizer que veneno dá vida. O veneno, o
agrotóxico mata qualquer tipo de vida que existe neste planeta, não somente
para nós indígenas, mas todos os tipos de seres vivos.
Erileide Domingues disse que sua comunidade é rodeada por
grandes lavouras e pediu para que o poder público aumente a distância mínima de
aplicação, para que a atividade prejudique menos indígenas, quilombolas e
demais populações tradicionais.
— Não ao agrotóxico! É uma pulverização de ódio, porque muitas
vezes eles passam em cima dos povos indígenas realmente para exterminar, no
lugar de arma.
Disputas de terras
Representante da Organização pelo Direito Humano à Alimentação
e à Nutrição Adequadas (Fian Brasil), Adelar Cupsinski afirmou que o uso de
agrotóxicos afeta a produção dos pequenos produtores, prejudica as comunidades
de assentados, de trabalhadores rurais, de indígenas e de quilombolas.
Ele relatou também que, quando há disputas de terras, “muitas
vezes o agrotóxico é usado como arma” contra indígenas, quilombolas e outras
comunidades. Segundo Cupsinski, há também muitos casos de mortes de animais
causadas pela pulverização.
Doenças
Para Juliana Acosta Santorum, representante da Campanha
Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, não há como garantir uso seguro
de agrotóxicos. Ela afirmou que trabalhadores que aplicam esses produtos e
consumidores que consomem alimentos com agrotóxicos correm risco de desenvolver
vários tipos de doenças, como câncer e mal de Parkinson, por exemplo, e até
má-formação fetal.
— Quando a gente está falando de agrotóxico, a gente está
falando de substâncias que foram feitas para matar, para matar bicho, para
matar planta, foi feito pra matar fungo, para matar gente também.
Segundo ela, foram comercializadas no Brasil 720 mil toneladas
de ingrediente ativo de agrotóxico em 2021, ano no qual as empresas que
fabricam esses produtos faturaram US$ 14,2 bilhões.
— A gente afirma que existe outra forma de produzir alimento,
de produzir vida e cultura no campo; ela existe e precisa de tanto apoio e
incentivo quanto o agronegócio.
Juliana também defendeu que o poder público deve desestimular
o uso da pulverização área, para diminuir os impactos à saúde e ao meio
ambiente. De acordo com ela, 20% dos agrotóxicos usados no Brasil são
classificados oficialmente como “extremamente tóxicos”.
— Nos últimos seis anos, principalmente nos últimos quatro
anos, aumentou muito o número de registros de produtos, e não são de novos
produtos, são de novos registros. Desses mais de 2 mil agrotóxicos que foram registrados
no Brasil de 2018 para cá, um em cada três foi proibido na União Europeia.
Foram proibidos porque matam e adoecem a população. O Brasil está virando uma
grande lixeira desses produtos que não são mais aceitos e comercializados em
outros lugares.
Lei estadual
O deputado Renato Roseno (Psol), presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará, disse que os agrotóxicos
causam também problemas neurológicos e puberdade precoce. Além de causar dor e
sofrimento aos atingidos, a intoxicação por agrotóxicos também custa muito caro
para o sistema público de saúde, ressaltou o parlamentar.
Roseno é coautor de lei estadual que proíbe a pulverização
aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará. A Confederação Nacional da
Agricultura (CNA) questiona a validade dessa lei no Supremo Tribunal Federal
(STF), com julgamento marcado para este mês.
— Entendemos que é necessário superar esta prática — defendeu,
acrescentando que quem quiser mais informações pode acessar o site chuvadevenenonao.com.br.
A psicóloga Marcia Xavier, da Comunidade Zé Maria do Tomé, em
Limoeiro do Norte (CE), disse “tomava banho de veneno” quando era criança,
vendo aviões pulverizando agrotóxicos nas proximidades da comunidade, o que lhe
causou grave intoxicação de pele.
Ela disse que atribui o assassinato de seu pai, José Maria, em
2010, “à questão do agrotóxico”, por ele ter denunciado intoxicação de
moradores da região pela pulverização aérea. Além disso, a psicóloga afirmou
que tem uma filha que teve puberdade precoce devido aos agrotóxicos.
— O avião passa nas nossas comunidades, que ficam rodeadas
pelo agronegócio, essa exposição é constante.
População vulnerável
A advogada Alice Hertzog Resadori relatou que atua em dois
casos de famílias de agricultores que foram atingidas pela "deriva" —
ou seja, quando a pulverização de agrotóxicos atinge áreas próximas que não
usam esses produtos. Ela é advogada do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra (MST) e faz parte da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela
Vida e da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares.
— Essas famílias foram atingidas pela deriva e tiveram perdas
na produção e experienciaram danos ao solo, às águas, à saúde e à flora e fauna
local.
Ela informou que uma pesquisa de 2021 mostrou que, de 30 casos
de deriva de agrotóxicos naquele ano, 21 eram de pulverização aérea. Disse
também que em 2009 havia 975 aeronaves fazendo pulverização de agrotóxicos,
número que aumentou para 2,4 mil em 2021.
— É um método realmente muito inseguro, e é o que tem hoje
causado mais danos ao Brasil.
A advogada afirmou ainda que 19% do agrotóxico pulverizado por
aviões acaba sendo levado pelo vento para áreas vizinhas. Ela avaliou que o
Brasil precisa debater a proibição total dessa prática.
O procurador do Ministério Público Federal Marco Antônio
Delfino de Almeida afirmou que os impactos negativos dos agrotóxicos prejudicam
de maneira mais acentuada as populações mais vulneráveis. Ele defendeu o
aumento da fiscalização da produção e uso de agrotóxicos e da pulverização
aérea, que atualmente é feita até por drones, não apenas por aviões ou
helicópteros.
— É fundamental que o Congresso provoque o governo federal
para que as fiscalizações aconteçam. É fundamental que esse setor seja
fiscalizado. Infelizmente essa fiscalização não ocorreu da forma devida nos
quatro anos anteriores.
O líder camponês e produtor agroecológico José Carlos disse
que foi vítima de pulverização aérea de agrotóxico em assentamento da reforma
agrária em Nova Santa Rita (RS). Ele relatou que a população local sofreu com
dores de cabeça, enjoos, náuseas, coceiras na pele e ardência nos olhos.
— Nos dias 11 e 12 de novembro de 2020, um avião que fazia
pulverização em plantações de arroz próximas ao assentamento passou por cima de
nossas casas, de nossas hortas, de nossos pomares, por cima de nossas vidas. O
que passou por cima de nós foi veneno, que causou graves consequências à nossa
comunidade (...) Um coquetel de armas químicas sobre as nossas cabeças.
Contraponto
O diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de
Aviação Agrícola (Sindag), Gabriel Colle, disse que as aeronaves usadas para
pulverização de agrotóxicos são apenas instrumentos de trabalho. Segundo ele,
somente 10% dos agrotóxicos no Brasil são aplicados por via aérea. Ele afirmou
que o setor de aviação aérea é pequeno; também é o único setor que trabalha com
agrotóxicos que tem regulamentação própria.
— Não defendemos agrotóxicos, isso é papel da indústria.
De acordo com ele, o setor de aviação agrícola está aberto ao
debate, mas não pode ser visto como o “grande vilão”. Gabriel disse que os
casos de contaminação são exceções e que a aviação agrícola trabalha também com
semeadura, adubação, proteção de lavoura, combate a incêndios florestais e
povoamento de rios e lagos com peixes. Em sua opinião, o setor é um dos mais
fiscalizados no Brasil.
— A gente não quer contaminação; é tudo que a gente não quer.
Também participaram da audiência pública interativa: os procuradores Pedro Luiz
Serafim da Silva e Leomar Daroncho, do Fórum Nacional de Combate aos Impactos
dos Agrotóxicos e Transgênicos do Ministério Público do Trabalho (MPT); Luiz
Cláudio Meirelles e Jorge Huet Mesquita, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz);
Marina Lacôrte, do Greenpeace Brasil; Raul Zoche, da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag); Rogério Dias, presidente do Instituto
Brasil Orgânicos; Carlos Eduardo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores
Assalariados Rurais (Contar); e Maria Juliana Moura, diretora de Vigilância em
Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde.
Por Agência Senado