Pelas
veredas mais tortuosas da vida, tropeçando às vezes, na própria
desilusão, eles chegam a Canindé. Na bagagem, um coração vazio de
si, na mão, um ex-voto, símbolo como memória de uma identidade, na
voz, orações se elevam ao sagrado, no olhar, uma saudade imensa
renitente sai pelas bordas dos olhos.
Passos
brandos na vasta poeira do tempo trilha sem regresso envolto em
mistérios, enveredados pela fé. Assim seguem os romeiros. Não
comunicam desalento, nem cansaço, pois são impedidos e amparados
pelo santo, presente na romaria. Devotos numerosos e peregrinos de
todas as raças se amalgamam na Meca interiorana de todas as crenças,
gestos profanos se unem, irrompem de cada alma sedenta do eterno, da
piedade popular. Essa popularidade que ganhou a romaria Dom Joaquim.
Ela
chegou ao Santuário de São Francisco das Chagas de Canindé na
noite deste sábado. A Romaria mais antiga dos festejos alusivos ao
santo da pobreza. "De longe, distante, tangidos por fé, de
todos os lugares chegam a Canindé".
Com
esse slogan e a resistência física alimentada pela fé em São
Francisco, 150 devotos da Romaria Dom Joaquim chegaram ao Santuário
de São Francisco, neste Município na manhã deste domingo. Eles
saíram da Capital no último dia 04, às 21h, da Rua Dom Joaquim,
275, rumo a "Meca nordestina".
De
acordo com a dona-de-casa Raimunda Gomes Braga, de 91 anos,
organizadora da tradicional Romaria Dom Joaquim, este ano a caminhada
chega aos 59 anos. Ela diz que a sua idade não é empecilho para
quem tem fé. A coordenadora lembra que o grupo de peregrinos começa
a planejar e preparar a romaria com quatro meses de antecedência. "É
sacrifício mesmo. A gente se cansa, mas a fé é maior", resume
dona Raimundinha, como é carinhosamente chamada pelos demais
participantes.
Ao
longo do percurso os peregrinos passaram por cinco cidades:
Fortaleza, Maracanaú, Maranguape, Caridade e Canindé, e por nove
distritos ou localidades: Tabatinga, Urucará, Gereraú, Ladeira
Grande, Columinjuba, Amanaria, Itapebussu, Lagoa do Juvenal e também
Campos Belos.
A
romaria leva esse nome porque sai da Rua Dom Joaquim há 59 anos.
Dona Raimunda diz ter a mesma energia de anos anteriores para a longa
caminhada, apesar das restrições e cuidados impostos por sua
família.
"Quem
começou tudo isso foi meu marido, mas ele faleceu. Desde então,
tomei a frente de tudo e, a cada ano, aumenta a quantidade de pessoas
que fazem a caminhada. Para participar, não fazemos nenhuma
exigência. Vai quem quer. Organizo tudo de coração", conta.
Um
dos ensinamentos de quem já conhece bem o chão que separa Canindé
de Fortaleza é o sacrifício do desconforto. "Quem não souber
o que é desconforto, que olhe no dicionário", diz dona
Raimunda. Segundo ela, apesar do cansaço, das dificuldades, da
privação e das feridas nos pés, são poucas as pessoas que
desistem. "O cardápio é sempre arroz com feijão ou feijão
com arroz", brinca.
Para
o professor de matemática, Francisco Arruda Bastos, a viagem é uma
reflexão de vida e não só um ato de fé. "Não se trata de
uma religiosidade intensa, mas valorizar o lado espiritual. É uma
experiência muito rica e são muitos os aprendizados nos quatro dias
de viagem".
Em
Canindé, os devotos da romaria mais antiga dos festejos, a Dom
Joaquim foram recepcionados pelos Assessores de Romaria Rodesio Silva
e Helder Lopes, e abençoados pelo frei Francisco Rogério da
Paróquia franciscana em Mossoró no Rio Grande do Norte. A
Prefeitura, na pessoa de seu titular, Celso Crisóstomo, colocou
todos os prédios públicos para abrigar os romeiros que chegam de
forma organizada na cidade. "Vamos ajudar a paróquia sempre
dentro de nossas possibilidades", disse.
Com
informações do Santuário de São Francisco das Chagas de Canindé
Fotos
de Antônio Carlos Alves
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